As alegorias e os batuques da Mangueira, que encerrou aclamada o primeiro dia de desfiles do Grupo Especial, trazem à baila um dos refrões da escola neste carnaval: “Quando o verde encontra o rosa, toda preta é rainha”. Dos barracões à diretoria da escola, a nova presidente da agremiação, Guanayra Firmino, segunda mulher a ocupar o posto, mostra a potência da mulher preta à frente de uma das escolas mais tradicionais do carnaval carioca.
Vozes pretas influentes também foram à Avenida para encampar o enredo, como a ministra da Cultura, Margareth Menezes, que participou da gravação do samba, a filósofa Djamila Ribeiro e a cantora Alcione, mangueirense histórica. Representando uma rainha de embaixada africana, Djamila reforçou a importância do enredo para dar proeminência ao grito das mulheres negras:
— Esse enredo, primeiro, homenageia Yansã e resgata a nossa ancestralidade, das mulheres negras no local de protagonismo. Para mim, é muito importante vir como uma rainha de embaixada africana, esse bloco afro que foi tão importante nos grupos negros da Bahia.
Com uma carnavalesca no comando do carnaval — Annik Salmon, que assina o enredo ao lado de Guilherme Estêvão —, a escola conseguiu equilibrar a combatividade do ativismo e a pura festa ao mostrar a força da herança africana na Bahia
Ancestralidade
Eleita em 2022 para comandar a Mangueira, Guanayra cresceu respirando o ar dos barracões desde cedo. Para a presidente, o enredo “As Áfricas que a Bahia canta” foi gestado e sonhado antes mesmo de ela comandar a agremiação:
— Para mim, é representar a minha comunidade, que é predominantemente de mulheres negras, a minha ancestralidade e a minha história.
No enredo, a intenção da presidente de reposicionar a mulher preta como baluarte da verde e rosa se traduz na justificativa: “É social e historicamente apagado nos desenvolvimentos desses coletivos, destacando a contribuição das mulheres na construção política, artística e estética desses movimentos e instituições”.
A gestão Guanayra dá novo vigor ao papel das mulheres na agremiação, cuja história se mistura com a de duas matriarcas ilustres: Dona Zica, a primeira-dama do samba, que foi casada com o Cartola, um dos fundadores da Mangueira; e a Dona Neuma, filha do primeiro presidente da escola, Saturnino Gonçalves. A própria Guanayra é filha de Dona Gilda, baluarte e presidente da Velha Guarda da Mangueira, e bisneta de Julio Dias Moreira, o segundo presidente da verde e rosa.
Na diretoria estão mulheres como a rainha de bateria. Evelyn Bastos, na vice-presidência da escola mirim Mangueira do Amanhã, além de Claudiene Esteves (vice-presidente Social), Dra. Vera (vice-presidente Médico), Aline Gonçalves (vice-presidente do Departamento Feminino) e Rafaela Bastos (vice-presidente de Projetos Especiais).
— Eu quis trazer comigo as mulheres, principalmente as da minha comunidade, as que têm competência. Construí uma diretoria de cria, não só de mulheres, mas de homens da comunidade — explica.