O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu julgamento e derrubou uma lei de Rondônia que proíbe o uso da chamada linguagem neutra nas escolas do estado. O julgamento, realizado no plenário virtual, em que os ministros inserem seus votos no sistema do STF, terminou às 23h59 desta sexta-feira (10). A ação analisada foi apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee). A entidade contestou lei de 2021 de Rondônia que proibiu a linguagem neutra na grade curricular e no material didático de instituições de ensino locais, públicas ou privadas; e em editais de concursos públicos.
Os 11 ministros da Corte declararam que a lei estadual fere a Constituição uma vez que cabe à União legislar sobre normas de ensino. Votos Relator do caso, o ministro Luiz Edson Fachin afirmou que uma "norma estadual que, a pretexto de proteger os estudantes, proíbe modalidade de uso da língua portuguesa viola a competência legislativa da União" (leia mais detalhes abaixo). O voto de Fachin foi acompanhado na íntegra pelos ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Gilmar Mendes. Os ministros Nunes Marques e André Mendonça concordaram com o relator em relação à inconstitucionalidade da lei de Rondônia. Mas apresentaram pequenas ressalvas quanto à tese a ser fixada pela Corte. André Mendonça, por exemplo, propôs uma redação mais genérica: "Norma estadual ou municipal que disponha sobre a língua portuguesa viola a competência legislativa da União".
O que diz o pedido
Na ação que propôs, a Contee afirmou que a lei de Rondônia é inconstitucional porque, além de caber à União legislar sobre normas de ensino, a medida, na avaliação da entidade, atenta contra os princípios fundamentais do país. A confederação também disse que a linguagem neutra não é moda e não está ligada a partido político ou ideologia. "Quem se der ao elementar e necessário cuidado de buscar entender a linguagem neutra, a partir de sua inserção na realidade social, patente, viva e insuscetível de ser aprisionada, claro, sem a couraça da intolerância, do ódio e da negação da diversidade, com certeza, chegará à conclusão de que ela nada contém de modismo, de caráter partidário e ideológico", diz a ação apresentada em 2021.
No processo no STF, tanto a Advocacia-Geral da União (AGU) quanto a Procuradoria-Geral da República se manifestaram pela derrubada da lei estadual por também considerarem competência da União legislar sobre ensino.
Voto do relator
No seu voto, Fachin afirmou que a norma estadual não pode contrariar as diretrizes básicas estabelecidas pela União. Segundo Fachin, embora os Estados possam legislar de forma conjunta sobre educação, "devem obedecer às normas gerais editadas pela União". "Cabe à União estabelecer regras minimamente homogêneas em todo território nacional", escreveu o relator. Em relação ao conteúdo da lei, o ministro afirmou que a chamada "linguagem neutra" ou ainda “linguagem inclusiva” visa combater preconceitos linguísticos, retirando vieses que usualmente subordinam um gênero em relação a outro. "A sua adoção tem sido frequente sobretudo em órgãos públicos de diversos países e organizações internacionais", afirmou Fachin. "Finalmente – e talvez ainda de forma mais grave – a norma impugnada tem aplicação no contexto escolar, ambiente no qual, segundo comando da Constituição, devem imperar não apenas a igualdade plena, mas também "liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber"", completou o ministro.
O que é linguagem neutra?
"Menine", "todxs", "amigues" são exemplos da linguagem ou dialeto neutro, que é conhecido também como linguagem não-binária. Cada vez mais comum nas redes sociais e entre membros da comunidade LGBTQIA+, essa linguagem tem como objetivo adaptar o português para o uso de expressões neutras, a fim de que as pessoas não binárias (que não se identificam nem com o gênero masculino nem com o feminino) ou intersexo se sintam representadas.